sexta-feira, 2 de agosto de 2013

PORQUE O AMOR NÃO MORRE


Quando bate a inspiração, Jenário rapidamente pega o bloco. Na falta deste, digita no celular a nova ideia (Rafael Ohana/CB/D.A Press
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Quando bate a inspiração, Jenário rapidamente pega o bloco. Na falta deste, digita no celular a nova ideia
Jenário é Jenário, mas poderia ser João ou José. O começo da história dele se parece com o de muitos brasileiros. Parou de estudar antes de completar o segundo grau. O filho de agricultores cresceu cercado de muito carinho, mas precisava trabalhar para viver. Também necessitava de poesia como de ar para continuar de pé, mas isso teve de ficar para depois. Desde sempre, o menino pobre aprendeu a esperar. Jenário nasceu poeta, em 21 de maio de 1955. Veio ao mundo pelas mãos de uma parteira, em uma casa da área rural de Itapuranga (GO). Mudou-se para Brasília nos anos 60, fugindo da miséria absoluta com a família, como ele mesmo diz. Desde rapaz, vive uma vida secreta. Até um dia desses, não tinha coragem de mostrar seus escritos a ninguém. Não vai a saraus nem se mistura com outros artistas de Brasília.

Há quatro anos, começou a frequentar a internet. Entrou em salas de bate papo e fez amigos “intelectuais”, professores de várias universidades federais e estaduais do Brasil a fora e poetas profissionais. “Eles começaram a colocar meus sonetos em blogs, Orkut e tudo mais. Quando eu vi, já tinha até admiradores”, orgulha-se. Os amigos virtuais o ajudaram com a gramática e se encantaram com seus poemas super-românticos. São mais de 300. “Só gosto de uns 30. Eu falo muito de amor e desamor. Acho que o desamor agrada mais os leitores. Os mais velhos costumam se identificar mais com os meus sonetos. Acho que esse tipo de poesia está fora de moda e eu nasci na época errada.”

Estrela
Ele é quase uma celebridade na internet. Com direito a comunidade de fãs no Orkut, com mais de 1,3 mil participantes. Tem ainda vídeos com as letras de suas poesias acompanhadas de fundos musicais no YouTube que contam com 200 mil acessos. Os links que trazem o nome de Jenário de Fátima no Google chegam a quase 80 mil. Jenário já teve inclusive poesias traduzidas para mandarim, inglês e espanhol, segundo ele mesmo, sem possibilidade de confirmar a informação.

Também faz música. Suas canções foram gravadas por algumas bandas locais. Teve poemas reproduzidos em jornais e revistas de circulação nacional. Mas nunca escreveu um livro. “Tenho medo de não ser poeta de verdade. Tenho medo de escrever para ninguém ler. Por isso nunca corri atrás disso.” Ainda hoje, os vizinhos não o conhecem. A família não lê suas poesias. “É todo mundo de origem muito simples, pouca gente lá em casa gosta.” Jenário é casado há 30 anos, tem duas filhas — Cora, em homenagem a Cora Coralina, e Maria Luísa — e uma neta, Yasmin, 2 anos, que nem imagina que o carinhoso vovô é poeta.

O motivo de tanta atenção no mundo virtual são os sonetos escritos pelo poeta. “Poeta, eu?”, pergunta Jenário, todo acanhado. “Sim, Jenário, você”, dizem os admiradores. Elogio ao qual Jenário responde assim: “A poesia me compensa. É uma fuga das dificuldades da vida. Nasci poeta, só pode ser”. Simples assim. Jenário gosta de Mário Quintana, um arquiteto de versos da simplicidade e da beleza. Também viaja na poesia de Augusto dos Anjos, porta-voz da escuridão. Talvez porque ele mesmo tenha dentro de si de sentimentos ambíguos ou, quem sabe, complementares.

Começo
O homem magro, de estatura mediana, cabelos brancos e desgrenhados carrega no rosto um sorriso simpático, mas castigado. Começou recentemente um tratamento dentário e por enquanto evita sorrir. São marcas da vida. Ele tomou gosto pela poesia há cinco anos, quando tinha 50. Leu em um jornal amarelado, que encontrou com um empurrão do destino, o soneto Anjo enfermo, de Afonso Celso, poeta mineiro nascido em 1860. O poema dizia: “Geme no berço, enferma, a criancinha, que não fala, não anda e já padece... Penas assim cruéis, por que as merece quem mal entrando na existência vinha?! O melindroso ser, a filha minha…Como te aperta a angústia o frágil peito… Se viu morrer Jesus, quando homem feito, nunca teve uma filha pequenina!...”.

Jenário ficou chocado. Extasiado. Apaixonou-se. “A poesia tem dessas coisas. É esse o encanto.” Depois disso, quis saber se conseguiria fazer algo parecido. Optou por criar apenas sonetos. “Não fui eu que escolhi fazer soneto, foi o soneto que me escolheu”, explicou. Antes disso, só escrevia letras e melodias de música. Também toca alguns instrumentos.

Aprendeu tudo sozinho ou com a vida. Antes disso, tentou ser empresário. Tinha uma pequena firma de construção. “Mas eu gastei demais e o negócio faliu.” Depois da falência, Jenário se refugiou nos poemas, o único tesouro que restou. “A tristeza ajuda o poeta. Quando fico assim, saem os melhores poemas”, acredita. “Dia desses me perguntaram por que eu não escrevia muito antes. Aí eu contei a história da empresa, estava sempre ocupado. Uma menina me disse: ‘Que bom que sua firma não deu certo’. Esse tipo de elogio me faz acreditar em mim.” Dia desses, uma amiga disse a Jenário: “Seus dias de anonimato estão contados”. Há também quem duvide do talento de Jenário. Para esses, ele diz, citando Mário Quintana, um de seus ídolos: “Eles passarão, eu passarinho”.


Métrica poética

Um soneto deve ser curto. Pode ter 14 versos divididos em dois quartetos (grupos de quatro versos) e dois tercetos (três versos) ou ainda três quartetos e um dístico (dois versos).

Os versos devem possuir a mesma métrica, ou seja, o mesmo número de sílabas poéticas, que são totalmente diferentes de uma sílaba comum.
Quero-te                                                                                                                                                       ZilmaRocha                                                                                                                                                    
Anjo Bom                                                                                                                                                   Jenario de Fátima